Os homens contra o humano

Os artigos reunidos em 1951, sob o título Os Homens contra o Humano, situam-se no ponto de encontro de preocupações ligadas imediatamente ao pós-guerra e de uma meditação de longa duração [...] ocupando um lugar privilegiado, tanto do ponto de vista cronológico dos gêneros de escrita quanto da própria temática da obra marceliana. O tom do livro oscila entre a lucidez alarmada e a recusa do desespero [...]. Não é, portanto, um profeta que aqui ouvimos; é um filósofo que lemos. Não deixemos de notar, sob esse aspecto, que esse filósofo é um filósofo cristão e que é em sua fé que ele encontra os motivos de não se desesperar. De fato, porém, cabe, em seguida, acrescentar que quando o cristão toma o terreno do filósofo é um cristão que se pretende não confessional; trata-se de um cristão prevenido contra o fanatismo religioso. [...]. Assim tocamos no essencial dos agravantes que Gabriel Marcel dirige à nossa época com a denúncia reiterada do espírito de abstração por meio do qual ele avalia as devastações tanto no plano especulativo quanto prático das ideologias. O elo entre o espírito de abstração e o fanatismo é tão tenaz quanto dissimulado. Fica, seguramente, fácil distinguir e desmascarar os regimes totalitários, ainda que Gabriel Marcel esteja à frente em relação a muitos diagnósticos da época, em que o parentesco entre comunismo stanilista, nazismo ou fascismo era ferozmente negado [...]. Daí resulta a denúncia obstinada aos filósofos dogmáticos da história sobre o nível especulativo. Trata-se do recurso ao "sentido da história" por meios políticos, ideológicos e demagógicos [...]. O efeito, no plano político, dessa arrogante pretensão de dizer o sentido da história é desastroso: é em nome do sentido da história que se entrincheiram grupos inteiros de homens da cena histórica, privando e tomando os indivíduos, um a um, da responsabilidade de julgar.